quinta-feira, 8 de maio de 2014

O rapaz que não bebia café

   Havia pouco tempo que eu tinha me mudado para aquele bairro. Ainda estava por conhecer as padarias, as lojas, os pets, a rotina dos carteiros, os cachorros e é claro os cafés (que convenhamos era algo muito importante!). Andei alguns dias procurando o café ideal entre conselhos e pistas dos vizinhos, colegas de trabalho e boatos. Fui parar em vários cafés... Cafés fechados, abertos, cafés héteros e homoafeitivos, café-padaria, padarias-café até chegar em um cafézinho que ficava no final da avenida onde eu morava. 
   Era um tanto agradável, um tano confortável, um tanto café: quente, nostálgico e aconchegante. A pouca iluminação dava ainda mais este sentimento de aconchego além da decoração com flores, samambaias, a música francesa e a clientela que a cada semana que se aproximava o inverno aparecia com mais e mais camadas de roupas e cachecóis.
   A minha rotina era basicamente acordar cedinho, comprar pães para o café da manhã, ir para o trabalho e esperar ansiosamente para o fim do dia em que eu ia mais uma vez ao café. Acontece que nosso subconsciente é por vezes traiçoeiro e eu sabia que a ansiedade não era só para saborear cafés, cappuccinos e afins.
   Aquela figura sempre me deixava muito curiosa. Era um rapaz que aparentava quase a mesma idade que a minha. No verão usava bermuda, chinelo e estava sempre lendo alguma coisa. No inverno era casaco cinza, bermuda e chinelo e sempre estava escrevendo alguma coisa. Ele sempre ia ao café com a mesma frequência que eu ia (todos os dias), acho que nesse um ano que passei a morar aqui não vi apenas quando me atrasei muito. Se eu chegasse às 19:00 ele chegaria em 5 minutos. Ele era do tipo de pessoa que a gente não conhece, mas já viu tantas vezes que parece conhecer há anos... Mas o que mais me chamou atenção nele não era o chinelo, nem o casaco, nem a falta de frio era que eu nunca o vi tomando café no café. Porque então ele iria a um café se sempre tomava o mesmo chá de jasmim?
   Todos os dias eu só pensava em como poderia puxar um assunto com ele para no final das contas perguntar porque diabos ele ia para um café tomar chá. Já pensei em perguntar "O que você está lendo?", mas fiquei com medo de não conhecer aquilo que ele estava lendo e o assunto morrer. Pensei em começar com "Chá de jasmim é bom? Sabia que jasmim é a minha flor preferida?", mas tive medo de parecer uma cantada ou que sou uma desamada que nunca recebeu flores. Pensei até em usar chinelos no inverno, comprar um casaco cinza, tomar chá também para chamar atenção, mas no final sempre me faltava coragem...
   Aquele mistério, aquela pergunta, aquela curiosidade me tirou várias vezes o sono até o último dia do inverno daquele ano. Eu acordei disposta a mudar toda a minha rotina para no final ter coragem de falar com ele. Não comprei pão, fiz um bolo de laranja para o café da manhã. Liguei para o chefe e disse que não ia trabalhar. Conversei com o carteiro e o ajudei a entregar algumas cartas, brinquei com os cachorros que estavam na rua até que enfim chegou a hora de ir para o café. Chegando lá eu acho que ele havia decidido mudar a sua rotina também pois eram 19:00 e ele já estava lá e fiz questão de sentar em uma mesa perto da dele para que pudéssemos ter uma maior intimidade. Pedi o meu café e fiquei esperado o momento ideal para levantar e ir até aquela mesa. Não havia ensaiado nada e acho que por isso minhas mãos suavam tanto. Eu queria sentir a hora certa que eu deveria me levantar, fazia apostas malucas como "A primeira pessoa que entrar de casaco vermelho com estampa de canarinhos é porque é a hora de eu ir lá e falar com ele", mas comecei a reparar que eram apenas desculpas e que o tempo só ia passando. De repente entra uma linda menina que deveria ter uns 6 anos e começa a falar com ele:

- Moço, porque não está tomando café? - disse ela com uma cara risonha.
- Posso te contar um segredo?
- Pode. Juro juradinho que não conto para ninguém.
- Se você não tomar café você será criança para sempre. É por isso que eu não tomo café.



Essa não é a primeira

"Sim, eu sei eu disse que aqui a casa é triste
Sim, eu sei eu disse que não era pra voltar, mas volta já"
Vou abri essa janela, sua casa ainda é aqui...
Agora que eu cheguei, ta na hora de voltar.
Senta aqui para um café...
Enquanto me conta das suas coisas e esbarras seus pés gelados nas minhas pernas e sorri roseada, como se se desculpasse.
E se desculpa o tempo inteiro.
Eu sei que eu toquei os últimos versos
mas cada vez que fecho os olhos e lembro desse sorriso eu faço uma canção.
Essa não será a última...

Sem você aqui eu mi sinto tão sol
É melhor voar si não quiser ficar com 
Peço pra voltar de
sem me lembrar que sempre estará lá.
E mesmo assim eu faria tudo novo, de novo.
Esse fim parece que começa como os finais costumam começar...




segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

De tudo ao meu amor serei atento

Uma cama de solteiro, cabeça lado a lado, braços sobrepostos e sorrisos trocados. Ora, haverá sempre de caber mais um aqui – pensei. Meus pensamentos contemplam aquele seu olhar que do contrário do meu, sem sono, observa tudo com muito atento. Os meus olhos, minhas orelhas, meu nariz... Olha meus lábios enquanto acaricia meus cabelos e desmancha meus cachos.

Eu sussurro para o travesseiro como se você ainda estivesse aqui, como se ele fosse você.  Eu o abraço como se ainda existissem os seus braços aqui. Sorrio, conto histórias mescladas de palavras depravadas, como se sua presença serena e risonha ainda estivesse aqui. Acordo na calada da noite e digo – Vou fazer um xixi, já volto, meu bem!  Acordo cedinho para preparar o nosso café, mas a segunda xícara se esfria enquanto eu começo mais um monologo...

Eu juro que preferiria que o seu corpo fosse tão presente quanto a sua ausência, mas agradeço um dia poder ter sussurrado em seu ouvido, abraçado os seus braços, pelas horas e horas de casos e histórias contadas, pelas acordadas na madrugada, por contemplar o seu sono mesmo hesitando por um instante antes de fazê-lo por causa dos pés gelados doidos para se enfiarem nos cobertores só para olhar mais uma vez o seu sono... Agradeço pelos cafés gostosos e sonolentos em que mesmo que eu ainda falasse muito você ficava ali sorrindo com os olhinhos em lua minguante sem graça e pensando “Essa criatura, certamente, não tem fundo para tanta conversa!” e então as xícaras terminavam frias, mas vazias.


"De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento."

(Vinicius de Moraes)