Andei pela casa, meio entediada, toquei violão e não conseguia me divertir como antes. Lembrava daquela época que eu só precisava de uma coisa para brincar: estar acordada. Quando sentei no sofá, já estava decidida que iria esperar o tempo passar, olhando para o relógio e vendo aqueles ponteiros doentes andarem em círculo. Passou o ponteiro apressadinho, o dos segundos, deu um sorriso e disse para eu me costumar, porque ele era pouco tempo demais. Passou o ponteiro preguicinha, o dos minutos, soltou uma gargalhada e disse que muito ainda eu tinha que esperar. E aquele grandalhão, que pouco anda e muito fala, disse que uma hora para o mundo que ele vive era quase um século e que eu imaginasse o que isso seria para o meu mundo e soltou uma gargalhada enorme, de sacolejar as janelas e arrepiar os cabelos do braço. Eu não tinha muita escolha, olhei para baixo e logo mais adiante, encostada em meus pés, jazia uma menina. Uma criança? – pensei. O que uma criança faria ali com tantos universos para explorar?
Deixei que se passasse mais uma gargalhada do ponteiro dos minutos e decidi falar com ela. A pequena apenas levantou o rosto e me olhou com aqueles olhinhos vermelhos e os abaixou de volta, sem dar nenhum gemido. Pensei que ela havia escutado aquele relógio imbecil, mas decidi perguntar novamente e desta vez ela não me olhou e, escondendo o rosto, me contou que também estava esperando as horas passarem e que a espera dela seria de meses, até que seus dentinhos nascessem. Parei por alguns segundos, com aquele velho coração em silêncio, e imaginei que a minha vida seria muito melhor se só me faltasse dois dentes e não um coração. Levantei e me sentei bem perto dela e fiz um pedido, meio egoísta, em seu ouvido:
- Se eu te der dois dentes você me dá um coração?
Prima banguela :D
obs.: Imagem retirada de arquivo pessoal, muhaha ;*