domingo, 31 de julho de 2011

Troca comigo?

           Andei pela casa, meio entediada, toquei violão e não conseguia me divertir como antes. Lembrava daquela época que eu só precisava de uma coisa para brincar: estar acordada. Quando sentei no sofá, já estava decidida que iria esperar o tempo passar, olhando para o relógio e vendo aqueles ponteiros doentes andarem em círculo. Passou o ponteiro apressadinho, o dos segundos, deu um sorriso e disse para eu me costumar, porque ele era pouco tempo demais. Passou o ponteiro preguicinha, o dos minutos, soltou uma gargalhada e disse que muito ainda eu tinha que esperar. E aquele grandalhão, que pouco anda e muito fala, disse que uma hora para o mundo que ele vive era quase um século e que eu imaginasse o que isso seria para o meu mundo e soltou uma gargalhada enorme, de sacolejar as janelas e arrepiar os cabelos do braço. Eu não tinha muita escolha, olhei para baixo e logo mais adiante, encostada em meus pés, jazia uma menina. Uma criança? – pensei. O que uma criança faria ali com tantos universos para explorar?
 Deixei que se passasse mais uma gargalhada do ponteiro dos minutos e decidi falar com ela. A pequena apenas levantou o rosto e me olhou com aqueles olhinhos vermelhos e os abaixou de volta, sem dar nenhum gemido. Pensei que ela havia escutado aquele relógio imbecil, mas decidi perguntar novamente e desta vez ela não me olhou e, escondendo o rosto, me contou que também estava esperando as horas passarem e que a espera dela seria de meses, até que seus dentinhos nascessem. Parei por alguns segundos, com aquele velho coração em silêncio, e imaginei que a minha vida seria muito melhor se só me faltasse dois dentes e não um coração. Levantei e me sentei bem perto dela e fiz um pedido, meio egoísta, em seu ouvido:

- Se eu te der dois dentes você me dá um coração?


 
 Prima banguela :D



obs.: Imagem retirada de arquivo pessoal, muhaha ;*

domingo, 24 de julho de 2011

Eu vou acabar com você!


                Eu já havia subido e descido as escadas muitas vezes: de frente, de costa e de lado. Pendurado na árvore, montado e desmontado n vezes o quebra-cabeça que ganhei do papai Noel, fiz até uma guerra galáctica contra as forças regionais entre o Buzz e o Batman e mesmo assim o dia parecia uma pedra de tão parado.  Eu odeio as férias.
Se eu tivesse ido para a escola teria brincado de esconde-esconde com meus amigos, feito exercícios de matemática e namorado platonicamente a Lisa. Sim, ela era a figura perfeita para se admirar e tudo de mais nojento para se beijar, não sabia como esse ato de emaranhar na boca de outra pessoa seria algo bom. Se eu estivesse na escola eu poderia também, depois do recreio, jogar bolinhas de saliva com a caneta para grudar na saia da professora ou competir para ver/sentir quem soltava o peido mais fedido e, no final da aula, comprar picolés enquanto a mamãe não vinha para me levar para casa. Eu, pessoalmente, preferia que ela viesse. A mamãe uma espécie de super-mãe-loucamente-doida, e cantava músicas da época dela (isso quando não inventava). O papai era um sujeito muito chato e a volta para a casa era sempre um silêncio e mesmo se eu viesse com ele o simples fato de chegar em casa seria algo divertido. Bom, mas a minha realidade é outra: eu estou de férias (e isso constrangedor). Por agora eu penso que a única coisa que ainda me mantém vivo é que pelo menos esta perto da hora do almoço e que depois dele sempre tem sobremesa nas férias.
- Joãozinho!
(Será que é o almoço?)
                - Oi mamãe.
                - Venha almoçar, seu pai já chegou.
                - O que tem de sobremesa?
                - Ah, verás.
                A mesa estava realmente bonita se não fosse o fato de ter feijão, arroz e aquelas folhas verdes. Eu preferiria que todo almoço só tivesse o bife e batatas fritas (perfeito, não?).
                - Filho, hoje você vai comer algo novo e incrível.
                - Batatas fritas doces com ketchup?
                - Não, nada disso. Primeiro você tem que fazer um pacto comigo, essa nova sobremesa é uma vilã entre as crianças... E você, como é um super-herói, terá de enfrentá-la com todas as forças. Não será covarde, não é mesmo?
                (Ah, quem ela pensa que é? Eu sou tão forte que poderia ser considerado um super-vilão, mas eu tenho um coração muito bom, como a vovó fala, por isso eu sou um super-herói e quando eu ver esse tal inimigo que se esconde dentro de minha casa em forma de sobremesa eu vou acabar com ele!)
- Sim mamãe, claro que irei proteger a casa.
- Espere, você precisa de algumas armas, sabe como é né?
Ela foi em direção ao armário e pegou o maior garfo da casa, aquele que ela, o papai e todas as pessoas grandes usavam e me entregou e foi assim que eu me senti mais poderoso. A mamãe parou por um instante em frente à geladeira. Ela demorou tanto para abri-la que eu mesmo pensei em fazê-lo. E foi então que ela pegou um prato com algo vermelho-alaranjado e jogou na minha frente.
- Como é o nome do covarde inimigo, senhorita?
- Caqui, vossa alteza.
                Que nome feio – pensei. Entretanto, nada era tão feio do que a sua figura e acho sinceramente que não estou com vontade de comer sobremesa.
                - Filho...
                - Só estou me concentrando, não sou covarde.
                Minha estratégia foi abaixar o braço rapidamente para que o inimigo não fugisse e quando as pontas do garfo foram gravadas nele eu senti aquele corpinho rachando e fazendo barulho de algo gosmento e quando eu levantei o braço ele já não tinha mais vida e então eu disse a frase mais época de todas as guerras travadas entre vilões e super-heróis.
                - Eu vou acabar com você!


Nota da autora: E foi assim que todas as crianças aprenderam a comer frutas.
Nota de Joãozinho: (Gosmentas ou não)
Nota da autora: Nem sempre...

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Acordeon




Eu que sempre fui tão feliz me vi afundado na poltrona com o velho acordeon. Aquilo não significaria nada se não fosse o fato de acordeon me lembrar coisas boas. E naquela tarde parecia que a tristeza não era passageira. As pessoas só tocam quando estão felizes ou só são felizes quando tocam?  – pensei. Torci o bico e desmanchei minha velha cara de menino feliz. Antes mesmo que eu tocasse a primeira nota, para responder minha pergunta anterior, eu parei por um segundo e pensei no que aquele acordeon, em silêncio, poderia significar. A tristeza – veio de imediato em minha cabeça. Eu nunca soube o que foi a tristeza. Decidi naquele exato momento que o triste era aquele instrumento quieto, sem notas, mas esse sentimento parecia pesado demais. Comecei a me recordar das coisas boas, dos sorrisos e de tudo que me lembravam aquele acordeon pulando em meus braços. Aquelas imagens eram tão felizes, aqueles momentos... Como fui capaz de esquecê-los só por causa dessa tarde? E foi aí que eu percebi o que a tristeza faz, ela empalha a felicidade e afoga as lindas notas do meu acordeon.